Entrevista: “Sentimos aquela sensação de algo épico”, diz Joe Seaward, do Glass Animals, sobre faixa de novo álbum


Imagem: Divulgação/Pooneh Ghana



Conversamos com o baterista do Glass Animals, que revelou mais sobre o processo de criação do Dreamland, terceiro álbum de estúdio da banda, que está cheio de vulnerabilidade.

Por: Anny Caroline Guerrera


Em 2 de julho de 2018, Joe Seaward, baterista do Glass Animals, sofreu um acidente que mudou drasticamente sua vida. Ele foi atingido por um caminhão enquanto andava de bicicleta em Dublin e ficou gravemente ferido. “A perna dele quebrou no impacto e ele ficou preso na parte de trás, onde seu crânio sofreu uma fratura complexa. Milagrosamente, ele sobreviveu e está tentando se recuperar”, dizia um comunicado no Instagram oficial da banda.


Foi um período assutador, não só para Joe, mas para todos em sua volta. Ele precisou aprender a falar, andar e, eventualmente, tocar novamente. Dave Bayley, vocalista do grupo, revelou para imprensa que não sabia como lidar com tudo isso. Por não conseguir sustentar a ideia de olhar para o futuro, resolveu focar no passado. E foi assim que surgiu o conceito para o Dreamland, o terceiro e mais intimista álbum de estúdio do Glass Animals.


“A ideia para esse álbum veio em tempos de muita confusão e incerteza. Meu melhor amigo estava no hospital. Eu não sabia se ele ia sobreviver. O futuro era assustador demais e totalmente desconhecido. Durante aquelas duas semanas foi muito difícil olhar para frente, então me encontrei caminhando para o passado. Estava vasculhando minha mente, resgatando memórias e encontrando conforto nelas, mesmo naquelas que eram desconfortáveis”, disse Dave.


As novas faixas mostram o Glass Animals de uma forma totalmente diferente, com uma sinceridade e pessoalidade nunca ouvida antes em projetos antigos da banda. Passeando por memórias engraçadas, momentos confusos e sons que remetem à infância de Dave, as letras tocam em pontos como sexulidade, crescimento e corações partidos. “É sobre descobrir que está tudo bem não ter respostas para tudo, está tudo bem não ter certeza de como você se sente, está tudo bem ser e se mostrar vulnerável”, compartilhou o vocalista.


Após ouvir o álbum e viajar pelo mundo criado através da mente Bayley, desde a infância até os dias atuais, o Indieoclock conversou com o Joe para saber um pouco mais do processo criativo do disco, como é lançar um projeto cheio de nostalgia durante o isolamento social, como foi superar um momento extremamente delicado e como foi estar de volta aos palcos. Confira:


Você passou um período difícil nos últimos anos, mas no primeiro semestre de 2020, antes da pandemia, você voltou aos palcos, como foi esse momento?


Foi maravilhoso. Foram anos bem difíceis antes de chegar nesse ponto. Estar de volta com a banda foi um sentimento muito incrível porque eu não sabia se eu conseguiria fazer isso novamente. Acho que mesmo se o acidente não tivesse acontecido, teria sido incrível voltar aos palcos porque fazia muito tempo desde a última vez que tocamos juntos. Foi um momento muito especial. Foi muito emocionante. Acredito que para todos nós, mas especialmente para mim.


E agora o mundo está passando por tempos complicados, com a pandemia e o isolamento social. Como é lançar um álbum nesse momento?


É muito estranho. É estranho estar fazendo isso sem podermos nos ver. Mas acho que esse álbum, de alguma forma surpreendente, se aplica ao que as pessoas estão fazendo no momento. É um projeto sobre nostalgia, sobre olhar para trás, para o passado. É sobre infância e crescer. Como as pessoas estão ficando em casa, eu percebi que muitas estão olhando para trás. É um pouco difícil olhar para frente agora porque ninguém sabe o que está acontecendo.


Então, é muito humano que a gente visite nossas memórias, que são um local seguro na mente. As pessoas, incluindo a mim mesmo, estão ouvindo músicas antigas, assistindo filmes antigos, lendo livros antigos e meio que lembrando do passado. E esse álbum é completamente sobre isso. Acho que é estranhamente apropriado estar lançando esse disco, que é sobre nostalgia, em um momento que todos estão se sentindo nostálgicos também. É como tentar ver um lado positivo nessa bagunça que está o mundo no momento.


Você falou sobre olhar para trás, para o passado, e no último álbum do Glass Animals, vocês contaram histórias de outras pessoas, agora estão contando a história de vocês. Como foi essa mudança?


Acho que a mudança fez parte do nosso crescimento. Dave, como compositor, cresceu muito. Ele está mais experiente e mais confiante, na verdade, estamos mais confiantes como banda. A forma como ele escreveu essas músicas são certamente mais seguras. De alguma forma, ele está olhando para si mesmo quando procura por ideias para as letras, e é muito difícil fazer isso. Fazer qualquer tipo de arte já é um desafio profundamente pessoal, mas quando é sobre você, quando o foco está em você, é algo ainda mais difícil e doloroso. Requer uma dose considerável de confiança. Acredito que a trajetória do Glass Animals foi sendo incrementada com pequenos passos, mas chegamos no ponto em que Dave se sente confortável em escrever sobre si mesmo ao invés de usar outras pessoas como inspiração. 


No primeiro álbum, ele disfarçou muitas das letras. Ele escreveu sobre animais e esse mundo fantástico como uma forma de esconder seu protagonismo, mas agora acredito que ele se sente confiante o suficiente para falar de si mesmo e para o mundo conhecê-lo, o que é muito bom.





Pode ser bem assustador ter que falar de si mesmo, tem muita vulnerabilidade envolvida nesse processo. Vocês ficaram com receio de lançar um projeto tão pessoal e diferente?


Não... Acho que seria muito triste se continuássemos seguindo a mesma fórmula. Mudar a forma como você faz as coisas sempre é um grande risco, mas para evoluirmos, precisamos mudar. Você precisa continuar bagunçando tudo e acho que os melhores artistas, músicos, bandas e escritores fazem isso. Para continuar sendo relevante, temos que crescer, mudar e nos adaptar. Estou bem animado para ver como as pessoas vão receber esse projeto!


Você realmente deveria estar animado. Acredito que o público vai receber de uma forma muito pessoal. Particularmente, na faixa It’s All So Incredible Loud, a frase do refrão me emocionou bastante.


Muito obrigado! Dave escreveu essa música sobre um momento extremamente curto. A estrutura dela é bem interessante, é diferente de qualquer outra faixa do Glass Animals ou até mesmo de outras músicas pop. A estrutura é muito linear, ela começa com uma ideia que vai crescendo no decorrer da música. Ela é longa e vai evoluindo.


A letra é sobre um período extremamente curto, como três segundos, em que o protagonista diz algo muito pequeno e que parece ser insignificante, mas assim que as palavras deixam sua boca, percebe-se que o que foi dito vai fundamentalmente mudar a pessoa para quem se disse aquilo. Aquele momento, aquele instante de realização, pode parecer uma eternidade e, na verdade, parece.


A intenção é que seja sobre algo que é muito pequeno quando se trata de tempo, mas que tem um efeito imenso. É a ideia daquele instante em que a percepção de algo cresce dentro de você. Foi muito divertido fazer essa faixa, acho que porque ela é muito diferente e muito estranha de alguma forma. Dave ficou incrivelmente satisfeito quando a terminou. Sentimos aquela sensação de algo épico, até mesmo o processo de fazer e produzir a música pareceu épico, levamos um bom tempo para acertar tudo.


Posso afirmar que é épica! Falando de outra faixa, essa que já foi divulgada, vocês trabalharam com Denzel Curry, como foi essa parceria?


Eu o conheci depois, infelizmente. Ele é tão talentoso! Eu, de verdade, acho que ele é um dos rappers mais talentosos do mundo no momento. O estilo dele é simplesmente incrível. Foi um verdadeiro privilégio ter a oportunidade de tê-lo nesse projeto. Nós íamos fazer alguns shows juntos, nos Estados Unidos, mas o isolamento aconteceu e eu realmente espero que tudo seja remarcado para que possamos fazer isso no ano que vem, se tudo der certo.


Falando nos shows, com um álbum tão pessoal, vocês estavam preparando algum conceito especial para as apresentações ao vivo?


Com certeza! Nós íamos ter uma configuração totalmente diferente. Íamos reinventar o palco e estávamos começando a pensar em formas de reinterpretar músicas antigas, para que elas se encaixassem nesse novo mundo. Eu estava muito animado com a direção que estávamos tomando, que ainda vamos tomar, espero. É um pouco frustrante, mas estou tentando pensar pelo lado de que temos apenas mais tempo para organizar tudo isso. Acho que será bem diferente e… Melhor. Vai ser melhor, justamente por ser diferente.


Esperamos que o público do Brasil veja tudo isso! Vocês precisam voltar depois que o isolamento acabar.


Eu amo o Brasil! Adoraria voltar. Tocamos no Lollapalooza e foi tão divertido, a gente vai amar voltar. Na verdade, eu conheci o Ronaldo quando estava aí! Foi como um sonho de infância se tornando realidade. Foi muito bom mesmo, nunca vou esquecer.


Para finalizar, você consegue eleger sua música favorita do álbum?


Eu tenho uma favorita, mas eu amo todas… Me sinto meio culpado em dizer! Vou dizer que a que me afetou mais é a última, Helium. Eu acho meio difícil escutá-la, é muito bonita. Acredito que foi a composição mais difícil para Dave escrever, o final dela, não sei explicar, mas tem algo que é o coração do álbum. Apesar de ter sido tão difícil de se compor, foi um passo natural da nossa evolução. Ela me deixou bem triste, é meio melancólica, mas tem uma certa felicidade também, e acho que é isso que a torna tão especial. Se eu precisasse ficar com apenas uma, acredito que seria essa.


O Dreamland estará disponível em 10 de julho em todas as plataformas.

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