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Sintetizadores dinâmicos e pesados, sons de tiros, uma voz memorável que reverbera entre sopranos e agudos melancólicos, um gosto distinto por elementos visuais, tudo isso fundido em uma estética escura e hipnotizante. Essas são apenas algumas das características mais marcantes do trabalho da artista multimídia Alejandra Ghersi, ou apenas, Arca.
Conhecida no mundo musical por já ter produzido para grandes artistas, como Kanye West (Yeezus), FKA Twigs (LP1) e Bjork (Vulnicura e Utopia), a artista venezuelana se diferencia por seu estilo único e marcante. Transitando pela cena do eletrônico desconstruído, experimental e avant garde, é por meio de seus trabalhos solos que temos a visão completa desta intrigante performer. E é marcando a junção da emoção nua e melancólica de ‘Arca’ (2017) com a experimentação sonora explosiva de ‘@@@@@@’ (2020), que nasce seu quarto álbum ‘KiCk i’, um divisor de águas para a fase artística e pessoal de Arca.
“If it’s oppressive, kick against it” (“Se for opressivo, chute contra ele” em tradução literal) é o mantra que permeia a atmosfera do disco. “'Quando uma criança é trazida ao mundo, chutar é a primeira manifestação de sua vontade. Então, eu vejo isso como uma metáfora para a individuação, para escolher se diferenciar. É um grito de guerra contra a categorização” disse Arca para Pitchfork. Definida como "um tratamento ou controle injusto exercido por uma sociedade ou grupo social", a palavra “opressão” para a Alejandra, mulher trans e não binárie, é uma marca social que deve ser destruída.
Oscilando entre o murchar para dentro de uma flor, para se depois se reerguer para fora com mais força, a aura de ‘KiCk i’ é uma auto-expressão dolorosa, uma espécie masoquista de "foda-se" a todos que já duvidaram dela. Desde a primeira faixa, "Nonbinary", essa estética brilha. Simultaneamente se empoderando e se defendendo do que dizem sobre ela - ao som de tiros sendo disparados ao fundo - como extensão disso. Ela nunca baixa a guarda por mais de alguns minutos sem explodir subitamente, furiosamente: "Não projete suas merdas em mim / Vadia, eu sou especial, você não pode me dizer o contrário / Isso seria uma mentira” ela proclama.
Já “Time” marca uma primeira oscilação. Em uma belíssima balada de synth pop e electropop, a track mostra a superação do medo que Arca teve antes de aceitar sua identidade e tomar a decisão de fazer a transição. Em meio a uma reverberação de ondas de sintetizadores cintilantes, a mensagem positiva de auto aceitação, e de luta para alcançar seus objetivos, triunfa. “Eu sei que você quer, eu-eu sei que você quer / E está na hora / De deixar sair / E mostrar ao mundo”.
Em ‘Afterwards’, aguardada faixa em colaboração com a cantora Bjork, o poema ‘Anoche cuando dormía’ de Antonio Machado é interpretado com maestria pela voz distinta e etérea da islandesa. Cantada inteiramente em espanhol - ideia da própria Bjork - a sensação de se estar caminhando em meio a sonho cintilante também se repete nas baladas românticas ‘Calor’ e ‘No Queda Nada’. Envoltas por uma aura celestial de plenitude e vulnerabilidade, ambas mostram Arca imersa em seu profundo amor por seu namorado Carlos Sáez. “Não há mais nada em mim que você não tenha tocado / Não há mais nada que não seja seu”.
Um poderoso manifesto sonoro e visual, à primeira vista, ‘KiCk i’ pode parecer uma produção inacessível para ouvidos desatentos. Mas rapidamente essa se mostra uma das obras mais pop e acessíveis de Alejandra. Sua tamanha capacidade de transitar por diferentes estilos sonoros e emoções é apenas mais uma prova de sua tamanha versatilidade. Se impondo como uma mulher forte e latina, Arca nos lembra que somos fortes e que nunca é tarde para descobrir nós mesmos.
‘KiCk i’ já está disponível em todas as plataformas digitais.
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