REVIEW | 'Charli' de Charli XCX

"It's Charli Baby!"... literalmente

Poucos artistas podem se dizer realmente inovadores no cenário do pop atual, mas quando estamos falando do trabalho da cantora britânica Charli XCX, com certeza ela merece o título de pop star do futuro. Desde o começo de sua carreira musical com o autêntico e gótico True Romance, ela já vinha experimentando com diferentes sonoridades do gênero pop e trazendo letras metafóricas e perspicazes. Mas a construção de uma identidade autêntica para XCX só veio, de fato, com sua entrada da cabeça no mundo da PC Music.

Depois do experimental e inovador EP Vroom Vroom, de 2016, produzido em parceria com a talentosa cantora e produtora SOPHIE, Charli descobriu um cenário ideal para continuar a desafiar os limites de sua experiência com a música e seus vocais, explorando cada vez mais as possibilidades desse novo estilo em ascensão. Com o lançamento da mixtape Pop 2, em 2017, ela deixou bem claro qual era o rumo que seu som tomaria dali para frente: muitas faixas pop e experimentais, como 'Out of My Head' e 'Track 10', e vocais ríspidos e robóticos que elevariam o autotune para toda a sua glória. 

Agora, Charli retorna com seu novo álbum de estúdio 'Charli', que sucede o punk-pop Sucker, de 2014. Um rápido olhar pela tracklist do projeto já mostra que grande parte da fórmula usada anteriormente no avant-garde Pop 2 retornaram no novo projeto, como percebemos pela produção - que ficou mais uma vez a encargo de A. G. Cook, fundador da gravadora PC Music - e pelas parcerias com alguns artistas que colaboraram com a cantora anteriormente. Mas o problema que vem em Charli, deriva da expectativa que foi investida após a mixtape, já que depois de lançar um projeto tão inovador e diferente, parece que ela ficou presa às mesmas maneiras de produzir, mixar e cantar em suas músicas.

Partindo de fato para as faixas, temos 'Next Level Charli' abrindo o disco e fazendo praticamente uma ode ao esse estilo de vida animado da cantora e de muitos de seus fãs, que adoram uma curtir uma boa festa e no dia seguinte repetem a dose. A música já dá o tom de como é o álbum: uma grande festa. Em seguida temos provavelmente a melhor faixa do álbum, 'Gone' que vem em parceria com a francesa Christine and The Queens. A track pode facilmente levar o título de pop perfection, com uma batida contagiante e que vai crescendo e se desenvolvendo muito bem ao lado dos sintetizadores pesados que aparecem em paralelo a música. Os vocais são um show a parte, sem o clássico efeito - robô - na voz de Charli a colaboração traz uma faceta diferente para a cantora, e triunfa com sua pegada super dançante e certa para as pistas de dança.



Em seguida 'Cross You Out' com Sky Ferreira quebra a estética animada e festiva para trazer um bom encontro entre o clássico pop dos anos 80 com as novas possibilidades das batidas computadorizadas. Na faixa os vocais recebem a atenção que merecem, com uma projeção que coloca Sky e Charli em um tom mais balanceado. Voltando para a festa, temos apenas um pequeno detalhe: ela acontece em '1999'. A faixa em parceria com Troye Sivan pode ser descrita como uma das mais divertidas e nostálgicas atualmente, não apenas por seu videoclipe cheio de referências dos anos 90 e 2000, mas também, pela letra que exalta toda a animação e saudade do estilo de vida daquele tempo. A produção acertou em cheio com a sonoridade bem característica das músicas que estavam nos topos das paradas na época, bem ritmada e com refrão chiclete - até quem não viveu em 99 canta alto.



Agora o ambiente muda  - novamente - na colaboração com Kim Petras e TOMMY CA$H, na intitulada 'Click', que faz referência ao 'grupinho' descolado de Charli e seus amigos. A progressão sonora da track se alterna entre o pop e pop-rock, e tem nos versos dos três artistas a mais pura pluralidade lírica. Em seguida as portas do céu se abrem com 'Warm' em parceria com o trio HAIM, na faixa temos toda a perfeição do dreamy-pop, trazendo uma batida que ganha cada vez mais forma ao acompanhar a dança de vocais harmônicos de Charli e Danielle Haim. Um ponto interessante em ambas as finalizações de Click e Warm é que nas duas a parte final das músicas dão um show a parte: na primeira com um final que explode em um instrumental que só pode ser descrito como o provável barulho que um robô faria enquanto dá defeito e ao mesmo tempo reproduz batidas excêntricas, e na segunda com uma batida excepcional de sintetizadores somada ao vocal - bem autotunado e inspirado - de Charli, os pássaros cantando no fundo conferem até a aparência de que temos um anjo cantando em novos ouvidos.

Em 'Thoughts' a falta de dinamismo da batida aliada ao tom meio desleixado da voz de Charli fazem da track um dos pontos baixos do álbum, mesmo com sua finalização puramente feita por vocais com efeitos, que já apareceram na duas músicas anteriores e são entregues novamente, só que em impacto e produção bem reduzidos. Mas a situação muda de figura com a animada 'Blame It' com a cantora queridinha do momento Lizzo. A música que já foi lançada no Pop 2 como 'Track 10' vem totalmente repaginada e traz toda uma nova energia seus sua batida divertida e bem dançante - bem diferente da ultra avançada e excepcional versão anterior. Apesar da parceria ter sido certeira para os fãs, trazendo a nova artista que tem estourado nas paradas atualmente, o clima leve e gostoso da track não é capaz de ser tão interessante e inovador quanto a bárbara experimentação com a PC Music na 'música 10'.



Um mood reflexivo e mais calmo retorna com 'White Mercedes' que em muito lembra algo que poderia ter sido feito na década passada, com sua letra que fala de um amor que é muita areia para nosso coração e sonoridade bem comum. A emoção só invade mesmo nosso coração com 'Silver Cross', o clássico estilo de música experimental e ao mesmo capaz de trazer algo novo, como vimos no trabalho anterior de Charli, é revisitado e faz da track uma das melhores produções do álbum. Com 'I Don't Wanna Know' a tentativa de fazer uma track mais intimista e reflexiva sobre relacionamento deu muito certo, e trouxe uma nova faceta para as possibilidades do disco. O mesmo acontece com 'Official', outra canção de amor que foge do óbvio tanto liricamente quanto sonoramente com seu tom celestial que parece imitar estrelas brilhando no céu durante a noite. Temos uma pura e sincera exposição dos sentimentos mais verdadeiros de Charli na track. 

Em 'Shake It' com o poderoso time de artistas Big Freedia, Brooke Candy, cupcakKe e Pabllo Vittar, a melhor parte fica nos vocais de Charli, que se transformam no decorrer da música e fazem parecer que estamos ouvindo uma versão robótica de Charli cantando debaixo da água. Cada colaboração traz um tom singular e diferente para a música, e o dinamismo da track vem por partes, assim como os versos das artistas. A experimentação com 'February 2017' juntamente com Clairo e Yaeji trouxe um contraste sonoro ambicioso para a música, que começa com uma troca de emoções com vocais harmônicos entre Charli e Clairo, mas terminam em versos emotivos e mais calmos de Yaeji. A segunda parceria com Troye Sivan encerra o álbum. Avançando para '2099', Charli nos mostra quais são suas idealizações para a música pop para o fim do milênio. Bem diferente da parceria anterior, esta tem uma identidade mais condizente com o que a cantora já vinha apresentando ao longo do álbum: batidas fortes, efeitos ciberespaciais e como sempre uma boa dose de vocais "metalizados". 




Considerações finais

O álbum apresenta Charli XCX em sua mais pura essência e explorando temas que envolvem o dia a dia da cantora, como festas, curtir a vida, coração partido e amor. Aqui temos Charli despindo-se das letras usuais e nos mostrando suas verdades nuas - o que chega a ser quase simbólico devido a arte na capa do disco - e refletindo sobre quem ela é quando para para analisar suas vivências anteriores fora dos palcos e também aonde chegou como artista. Apesar da produção nas músicas ser mais do mesmo, com amplo uso de sintetizadores, autotune e batidas fortes, ainda sim temos coisas muito boas e interessantes na nova produção. A ordem das canções acaba rompendo com a atmosfera que a música anterior proporcionou, no entanto, em 'Charli', XCX vai além e nos mostra liricamente que robôs também tem sentimentos e são cheios de poder. Já musicalmente vemos que até para os artistas inovadores os limites existem, mas a qualquer momento podem ser ultrapassados novamente com muita ambição.

8.0/10

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